quarta-feira, 21 de maio de 2008

Português vai medir o Kilimanjaro

FILOMENA NAVES

Fala-se no monte Quilimanjaro e a imaginação dispara: a África emerge em aromas e cores fortes, e paisagens imensas. O Quilimanjaro, o maior pico do mundo enquanto elevação autónoma (é um vulcão extinto), surge então destacado no horizonte. Mas quanto mede exactamente a montanha? 5895 metros? 5890? Ou 5892 metros?

Não, não é adivinha, nem brincadeira. A resposta certa não é mesmo possível - por enquanto. Embora para efeitos de roteiro turístico a altitude oficial escolhida tenha sido a primeira que foi determinada, em 1952 (5895 metros), a margem de incerteza é da ordem dos metros. E a culpa é das limitações tecnológicas da primeira medição e da falta de pontos de referência suficientemente rigorosos em outra missão mais recente, realizada em 1999, que apontou para uma altitude 5892 metros. Mas ainda não é esta a definitiva. A correcta estará algures entre aquelas duas.

Reduzir a margem de incerteza na medição do Quilimanjaro a decímetros (em vez de metros), determinando com um rigor sem precedentes a altitude do mais emblemático pico africano, é o projecto de Rui Fernandes, investigador do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa e também professor na Universidade da Beira Interior (UBI). A expedição que o cientista português está a organizar, em colaboração com os serviços geográficos da Tanzânia, tem partida marcada para a segunda semana de Setembro. Até lá, há toda a operação logística para montar, "incluindo a procura de financiamentos e de apoios para o projecto", explica ao DN Rui Fernandes.

Tal como acontece quando surgem algumas das melhores ideias, a deste projecto nasceu de uma conversa informal entre o cientista português e um técnico dos serviços geográficos tanzanianos.

"No ano passado, fui ao Quénia dar um curso sobre utilização de GPS [Global Positioning System] em sistemas de referência geográfica e estava lá um participante da Tanzânia", conta o investigador. A hipótese de fazer a medição rigorosa do pico surgiu numa troca de impressões entre ambos.

Percebe-se a importância simbólica que a informação tem para o país onde o pico se eleva. Saber exactamente quanto mede é, afinal, conhecer melhor o património próprio. Tem carga identitária, cultural e simbólica. "Para nós, saber com rigor quanto mede o ponto mais alto da serra da Estrela também é importante", compara Rui Fernandes. Equipado com GPS e gravímetro (para fazer observações de gravidade), o grupo liderado pelo português, que terá também apoio logístico no Quénia, já que uma das vertentes do monte emerge em território desse país, conta estar no terreno, pronto a trabalhar, a 15 de Setembro. Mas qual é o processo que vai utilizar para chegar ao rigor pretendido?

O segredo está na malha de pontos equidistantes, cuja altitude a equipa vai determinar primeiro na base do Quilimanjaro, para poder utilizar como referência para o cálculo da altitude do ponto mais alto do monte. "Enquanto uma equipa sobe ao Quilimanjaro, carregada com os equipamentos, durante quatro ou cinco dias, e fazendo o registo de altitudes enquanto avança, uma outra fica cá em baixo a fazer as medições necessárias (que nunca foram feitas) à produção dessa malha de pontos de referência", adianta Rui Fernandes. Apesar de ser o única elevação terrestre do mundo, com aquela altitude, que não precisa de ser escalada - é possível ir até ao topo a caminhar -, um terço dos que tentam subi-la desistem, porque a partir de certa altura o ar é muito rarefeito e a inclinação muito acentuada. A tarefa, portanto, não é fácil. Mas Rui Fernandes espera ter, no final, a medida certa do maior pico do continente africano.