24 a 29 de Julho 2007
Porquê tanta montanha num ano só? A resposta aparece, clara como a água, apenas e só, depois de por lá se passar. Estes espaços, rodeados de uma imponência extrema, colocam-nos perante uma realidade perdida no dia-a-dia. Oferecem-nos uma beleza constante e variada em cada passo que se dá, além do desafio assumido e a final satisfação trazida a cada um dos destemidos participantes. Ora acompanhem-me por favor, em mais esta viagem:
As informações não eram muitas. Sei que vou para Torla, sei que regresso de Benasque. Estamos em plenos Pirinéus Aragoneses. Sei que haverá uma autonomia dura e sei que irei para paisagens desconhecidas minhas. Além disso, apenas conheço 4 das 18 pessoas do grupo. A expectativa é alta, pelos sucessivos testemunhos ouvidos ao longo destes anos. A organização, agora a cargo do GEMA, proporciona toda a logística necessária pelo 16º ano consecutivo, o que me deixa espaço/tempo para usufruir melhor da viagem. Saímos de Aveiro, no dia 24.07 às 6h30 da manhã, em 2 carrinhas Volkswagen, na capacidade máxima de passageiros e carga. Esta viagem de 11h é excelente para conhecer o resto do grupo. Chegamos a Torla, à hora prevista. Aldeia pituresca na base do Vale de Ordesa, que se apresenta logo acolhedora e agradável, de tão idílica e tranquila que é. Rodeada de altas montanhas, oferece-nos o porto de abrigo ideal pós-viagem de tanta estrada. No dia seguinte começa a etapa de autonomia. Mochilas e tendas às costas com tudo o necessário para só na noite do dia seguinte se ter o conforto da acessibilidade automóvel. Roupa, acessórios, comida e tenda tri-partida, pesam mais que 10 Kg. A minha mochila é das mais pesadas. A 1ª decisão está em poupar 2h de caminhada logo de início, com autocarro, ou partir desde ali do parque, em direcção a Ordesa a pé. Com um trilho à sombra de bosque e ainda com tanta frescura no corpo, a decisão é fácil. Pés no trilho, desde já, com saída cerca das 12h30. As vistas são pintadas de verde e pelo tons mais ásperos dos altos cumes que nos rodeiam. As águas cristalinas do rio Arazas impressionam e o som sempre presente das quedas de água é uma constante. Em Ordesa, encontramos a GR11, a grande rota de onde estraímos a etapa de hoje. Somos 2 sub-grupos, divididos entre os 2 guias. O dia está quente e o sol consome o protector solar com voracidade. Num vale magnífico, com umas vistas estonteantes, ainda é tempo de afinar ritmos de passada e é frequente a fuga de ovelhas tresmalhadas entre os 2 sub-grupos. Passados os "Grados de Soaso", entramos numa dimensão única. Um paraíso natural, emoldurado por escarpadas rochasas e revestido de uma garrida vegetação. O percurso desemboca na "Cola de cabalo", um dos ex-libris deste Vale de Ordesa. Reforço e descanso para a necessária conquista da encosta até ao refúgio dessa noite. Árdua subida, agravada pelo sufocante calor da tarde. Entre um sintoma de desmaio e cãimbras (não meus) e muita água sorvida, chegamos desfasadamente ao refúgio de Goriz. Com lotação esgotada nas 72 dormidas, pernoitamos em tenda, ali ao lado, como previsto. Contudo, o jantar, imaginado constantemente na subida, é negado a todos que chegam depois das 20h. Com uma frieza e arrogância inacreditáveis, valem-nos o excesso de comida e o mendigar da partilha dos restos da refeição servida pelos que vão chegando. Consigo eu ainda uma sopa knorr, uma salsicha, arroz e uma sobremesa, do que sobra. Reconponho-me da ansiedade de poder não jantar devidamente e juntamo-nos todos, providenciando comida a quem a perdeu no refúgio. Um dos velhos lobos da montanha, até vinho do porto levou e partilhou, ali ao luar daquele luminoso quarto crescente da lua, e duma paisagem misteriosamente envolta por essa ténue luminosidade. As estrelas lá estão, magnifícias, como sempre. Quinta-Feira, viria a ser o dia, destes Pirinéus. Uma etapa duríssima, de 10h para mim e de 15h para quem por último chegou ao Refúgio de Pineta. Conseguimos vislumbrar 3 vales distintos num só dia: Ordesa, Añisclo e Pineta. Sem palavras para descrever tamanha variedade de cenários. Registo sem margem de dúvidas a dificuldade da descida do "Collado de Añisclo" até ao refúgio de Pineta. Sem ver ainda os números registados, foi uma descida acentuada, sem tréguas e com uma exigência extrema ao nível das articulações e a nível muscular. Guardo a lição de que, as descidas são sempre dolorosas e de pouca fruição, por isso, quanto mais rápido, menos sofrimento se tem. Com o travão da segurança e do bom-senso, faço questão de me colar ao grupo da frente. Na descida o meu pensamento está constantemente em quem, com 61 ou 51 anos de idade, tem, atrás de mim, que fazer o mesmo. Preocupa-me o quanto lhes deve custar, se a mim me está a custar o que custa. No final do dia, entre tanto desgaste acumulado, o grupo chega muito fraccionado a Pineta. A consciência obriga ainda a pousar a mochila e voltar para trás, em auxílio de quem precisa. Fico feliz e muito satisfeito por termos chegado todos em segurança. O cansaço apoderou-se de todos e a cama, desta feita no refúgio, cobriu-nos de uma agradável sensação de descanso. O dia a seguir impunha-se relaxante. Mesmo assim, ainda preenchido por uma breve mas bonita marcha de miradouros, com uma ermita, uma nascente cársica e a conversa com um simpático casal de Córdoba. Estamos psicologicamente recompostos do cansaço de ontem e a noite reserva-nos uma abundante feijoada comunitária, amavelmente cozinhada no acampamento em Viadós. A decisão difícil é a do próximo dia. Visita às Lagoas, com 3h de viagem automóvel, 2h de caminhada ou Travessia, 6h mínimas de caminhada, 700m de subida e 1300 de descida. Com a memória muscular da última descida ainda presente. Apenas 4 dos 18 alinhamos na Travessia, com início marcado para as 6h da manhã. A alvorada custa muito e a 1ª hora é meio sonâmbula para mim. O passo é ligeiro e constante. Por um vale, ainda à sombra, desenvolve-se nova paisagem deslumbrante. Avistado o "Collado de Estós", paragem e ganho de fôlego para a subida. Temos um ritmo muito bom. Chegamos ao Collado uma hora mais cedo, o que nos eferece um dos melhores momentos de toda a semana. Após novo reforço insólito, a estas 9h da manhã, com fejoada, ganhamos direito a adormecer, perante o cenário alucinante deste novo vale. A descida começa agressiva mais uma vez, mas rapidamente muda de humor e se transforma num trilho muito confortável para os membros inferiores. Chegados ao refúgio de Estós, temos ainda muito tempo e, por isso, o repouso, ao sol, ali rodeados de montanha por todo o lado, miúdas giras, presunto e coca-cola, sabe outra vez deliciosamente bem. Descemos mais e perto de Benasque, juntamo-nos ao restante grupo. Viagem até novo parque de campismo, propositadamente escolhido com piscina. O banho estival neste espaço sabe muito bem e depois disso... "El Humo del Muro". Um daqueles restaurantes que justifica uma viagem. Além das entradas habituais, uns caracóis deliciosos e uma 1/2 costoleta corpulenta, que dois dedos não medem altura, e "Orujo" para terminar, são a cereja em cima do bolo, deste programa. No regresso, um inesperado mágico momento nos espera. O som fantástico de ... dançados loucamente, ali no descampado plano daquele incógnito sítio ermo, no caminho da viagem de regresso ao acampamento, transportam-nos para uma dimensão que não a nossa!
As informações não eram muitas. Sei que vou para Torla, sei que regresso de Benasque. Estamos em plenos Pirinéus Aragoneses. Sei que haverá uma autonomia dura e sei que irei para paisagens desconhecidas minhas. Além disso, apenas conheço 4 das 18 pessoas do grupo. A expectativa é alta, pelos sucessivos testemunhos ouvidos ao longo destes anos. A organização, agora a cargo do GEMA, proporciona toda a logística necessária pelo 16º ano consecutivo, o que me deixa espaço/tempo para usufruir melhor da viagem. Saímos de Aveiro, no dia 24.07 às 6h30 da manhã, em 2 carrinhas Volkswagen, na capacidade máxima de passageiros e carga. Esta viagem de 11h é excelente para conhecer o resto do grupo. Chegamos a Torla, à hora prevista. Aldeia pituresca na base do Vale de Ordesa, que se apresenta logo acolhedora e agradável, de tão idílica e tranquila que é. Rodeada de altas montanhas, oferece-nos o porto de abrigo ideal pós-viagem de tanta estrada. No dia seguinte começa a etapa de autonomia. Mochilas e tendas às costas com tudo o necessário para só na noite do dia seguinte se ter o conforto da acessibilidade automóvel. Roupa, acessórios, comida e tenda tri-partida, pesam mais que 10 Kg. A minha mochila é das mais pesadas. A 1ª decisão está em poupar 2h de caminhada logo de início, com autocarro, ou partir desde ali do parque, em direcção a Ordesa a pé. Com um trilho à sombra de bosque e ainda com tanta frescura no corpo, a decisão é fácil. Pés no trilho, desde já, com saída cerca das 12h30. As vistas são pintadas de verde e pelo tons mais ásperos dos altos cumes que nos rodeiam. As águas cristalinas do rio Arazas impressionam e o som sempre presente das quedas de água é uma constante. Em Ordesa, encontramos a GR11, a grande rota de onde estraímos a etapa de hoje. Somos 2 sub-grupos, divididos entre os 2 guias. O dia está quente e o sol consome o protector solar com voracidade. Num vale magnífico, com umas vistas estonteantes, ainda é tempo de afinar ritmos de passada e é frequente a fuga de ovelhas tresmalhadas entre os 2 sub-grupos. Passados os "Grados de Soaso", entramos numa dimensão única. Um paraíso natural, emoldurado por escarpadas rochasas e revestido de uma garrida vegetação. O percurso desemboca na "Cola de cabalo", um dos ex-libris deste Vale de Ordesa. Reforço e descanso para a necessária conquista da encosta até ao refúgio dessa noite. Árdua subida, agravada pelo sufocante calor da tarde. Entre um sintoma de desmaio e cãimbras (não meus) e muita água sorvida, chegamos desfasadamente ao refúgio de Goriz. Com lotação esgotada nas 72 dormidas, pernoitamos em tenda, ali ao lado, como previsto. Contudo, o jantar, imaginado constantemente na subida, é negado a todos que chegam depois das 20h. Com uma frieza e arrogância inacreditáveis, valem-nos o excesso de comida e o mendigar da partilha dos restos da refeição servida pelos que vão chegando. Consigo eu ainda uma sopa knorr, uma salsicha, arroz e uma sobremesa, do que sobra. Reconponho-me da ansiedade de poder não jantar devidamente e juntamo-nos todos, providenciando comida a quem a perdeu no refúgio. Um dos velhos lobos da montanha, até vinho do porto levou e partilhou, ali ao luar daquele luminoso quarto crescente da lua, e duma paisagem misteriosamente envolta por essa ténue luminosidade. As estrelas lá estão, magnifícias, como sempre. Quinta-Feira, viria a ser o dia, destes Pirinéus. Uma etapa duríssima, de 10h para mim e de 15h para quem por último chegou ao Refúgio de Pineta. Conseguimos vislumbrar 3 vales distintos num só dia: Ordesa, Añisclo e Pineta. Sem palavras para descrever tamanha variedade de cenários. Registo sem margem de dúvidas a dificuldade da descida do "Collado de Añisclo" até ao refúgio de Pineta. Sem ver ainda os números registados, foi uma descida acentuada, sem tréguas e com uma exigência extrema ao nível das articulações e a nível muscular. Guardo a lição de que, as descidas são sempre dolorosas e de pouca fruição, por isso, quanto mais rápido, menos sofrimento se tem. Com o travão da segurança e do bom-senso, faço questão de me colar ao grupo da frente. Na descida o meu pensamento está constantemente em quem, com 61 ou 51 anos de idade, tem, atrás de mim, que fazer o mesmo. Preocupa-me o quanto lhes deve custar, se a mim me está a custar o que custa. No final do dia, entre tanto desgaste acumulado, o grupo chega muito fraccionado a Pineta. A consciência obriga ainda a pousar a mochila e voltar para trás, em auxílio de quem precisa. Fico feliz e muito satisfeito por termos chegado todos em segurança. O cansaço apoderou-se de todos e a cama, desta feita no refúgio, cobriu-nos de uma agradável sensação de descanso. O dia a seguir impunha-se relaxante. Mesmo assim, ainda preenchido por uma breve mas bonita marcha de miradouros, com uma ermita, uma nascente cársica e a conversa com um simpático casal de Córdoba. Estamos psicologicamente recompostos do cansaço de ontem e a noite reserva-nos uma abundante feijoada comunitária, amavelmente cozinhada no acampamento em Viadós. A decisão difícil é a do próximo dia. Visita às Lagoas, com 3h de viagem automóvel, 2h de caminhada ou Travessia, 6h mínimas de caminhada, 700m de subida e 1300 de descida. Com a memória muscular da última descida ainda presente. Apenas 4 dos 18 alinhamos na Travessia, com início marcado para as 6h da manhã. A alvorada custa muito e a 1ª hora é meio sonâmbula para mim. O passo é ligeiro e constante. Por um vale, ainda à sombra, desenvolve-se nova paisagem deslumbrante. Avistado o "Collado de Estós", paragem e ganho de fôlego para a subida. Temos um ritmo muito bom. Chegamos ao Collado uma hora mais cedo, o que nos eferece um dos melhores momentos de toda a semana. Após novo reforço insólito, a estas 9h da manhã, com fejoada, ganhamos direito a adormecer, perante o cenário alucinante deste novo vale. A descida começa agressiva mais uma vez, mas rapidamente muda de humor e se transforma num trilho muito confortável para os membros inferiores. Chegados ao refúgio de Estós, temos ainda muito tempo e, por isso, o repouso, ao sol, ali rodeados de montanha por todo o lado, miúdas giras, presunto e coca-cola, sabe outra vez deliciosamente bem. Descemos mais e perto de Benasque, juntamo-nos ao restante grupo. Viagem até novo parque de campismo, propositadamente escolhido com piscina. O banho estival neste espaço sabe muito bem e depois disso... "El Humo del Muro". Um daqueles restaurantes que justifica uma viagem. Além das entradas habituais, uns caracóis deliciosos e uma 1/2 costoleta corpulenta, que dois dedos não medem altura, e "Orujo" para terminar, são a cereja em cima do bolo, deste programa. No regresso, um inesperado mágico momento nos espera. O som fantástico de ... dançados loucamente, ali no descampado plano daquele incógnito sítio ermo, no caminho da viagem de regresso ao acampamento, transportam-nos para uma dimensão que não a nossa!